Ouvir música no trânsito é um risco, afirma neurocirurgião
Quando estamos dirigindo, é comum ligar o rádio para ouvir uma música no trânsito. Mas também é comum a dúvida: será que isso não nos desconcentra? Escutar o rádio e dirigir ao mesmo tempo são tarefas não executadas com igual foco pelo cérebro. “Na verdade, o cérebro humano não é capaz de se concentrar em várias coisas ao mesmo tempo, o que acontece é que ele tem a capacidade de alternar rapidamente entre diferentes tarefas”, explica o neurocirurgião Saul Almeida, diretor do Pronto-Socorro de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Assim, tem-se a impressão de conseguir realizar várias ações, mas Almeida ainda acrescenta:
“A gente vai realizar essas tarefas de forma incompleta ou superficial. Isso acontece porque a tensão do cérebro fica dividida entre essas várias tarefas, e o resultado é uma diminuição da qualidade do que a gente está fazendo e, além disso, quando a gente alterna rapidamente entre tarefas diferentes, você acaba sobrecarregando o seu cérebro”.
Outros fatores dificultam ainda mais essa troca rápida entre atividades, principalmente quando se fala de ouvir música. Marcelo Costa, professor do Instituto de Psicologia da USP, explica como os estímulos sensoriais fazem isso. “A gente está o tempo todo buscando informações do nosso ambiente: visualmente, auditivamente, enfim, todos os estímulos vão sempre recrutar a nossa atenção de maneira automática. Quando eu quero prestar atenção em algo, por exemplo, ler um texto, um artigo, eu uso um mecanismo de atenção voluntária. Ou seja, eu controlo onde é que eu quero deixar a minha atenção. Porém, a gente ainda está à mercê desses outros estímulos sensoriais, quer dizer, independentemente de eu estar voluntariamente concentrado nesse ponto, se a porta do meu escritório bater, eu vou parar de prestar atenção aqui, porque esse outro estímulo recrutou a minha atenção de maneira intensa”.
A mesma coisa acontece quando se escuta uma música. “O fato de a gente gostar da música que começou a tocar vai fazer com que esse estímulo ganhe uma saliência maior. Tudo isso, somado, aumenta a chance dessa música recrutar automaticamente a minha atenção”, completa Costa.
Volume para ouvir música no trânsito
Uma pesquisa realizada pela revista Auto Express e pela rede IAM RoadSmart compara diferentes gêneros de música como clássica, pop e heavy metal, no volume máximo. A conclusão do estudo foi que, de forma geral, o heavy metal distrai muito o motorista. Já a música clássica o mantém muito relaxado — o que também não é colocado como ponto positivo. Porém, muito se deve ao fato de que o volume estava no máximo.
Equilíbrio
Entretanto, por mais que o cérebro não seja capaz de ouvir música e prestar atenção na estrada ao mesmo tempo, relaxar ao som do rádio ainda tem benefícios. “Um dos motivos pelos quais a música faz com que a gente reduza a nossa preocupação é exatamente o foco. Quando a gente ouve uma música, como ela tem essa capacidade de nos pegar afetivamente, principalmente uma música que a gente gosta, ela vai recrutar a nossa atenção para os componentes dessa música. Mesmo que eu ainda continue pensando no problema, uma parte da atenção vai estar ligada à música. Dessa forma, diminuindo um pouco o impacto que aquele problema tem. Esse sentimento positivo contrabalanceia com os negativos daquele problema“, informa Costa.
Almeida dá a dica para minimizar a perda de foco quando os fatores citados estiverem presentes. “Enquanto você está conduzindo o seu carro é importante tentar escolher uma música que seja agradável para você, mantendo ela num volume seguro para evitar distrações e garantir a sua segurança e a do seu veículo”.
Por: Alessandra Ueno, para o Jornal da USP, 20/04/2023