Covid-19 grave é rara em crianças e adolescentes, mas causou mais de mil mortes

Covid-19 grave é rara em crianças e adolescentes, mas causou mais de mil mortes

Após mais de um ano do início da pandemia do novo coronavírus, algumas impressões iniciais sobre a Covid-19 se mostraram equivocadas. Entre elas, a de que a doença só atingia pessoas idosas e com doenças crônicas, e que as crianças e adolescentes estariam imunes.

Mas, à medida que os mais jovens foram expostos ao vírus, eles também começaram a se contaminar e desenvolver formas mais graves e fatais da doença. Desde o começo da pandemia no Brasil, em março de 2020, mais de mil crianças e adolescentes já morreram de Covid-19, de acordo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Ministério da Saúde.

O número deve servir como alerta para os pais, mas não é motivo para desespero, de acordo com especialistas ouvidos pela CNN. A mortalidade por Covid-19 nessa faixa etária é considerada baixa quando comparada a outras causas nesse grupo.

“Antes dos 5 anos, a maior causa disparada são problemas de má-formação ou relacionados ao parto. Após essa idade, lideram o ranking o homicídio, os acidentes, como os de trânsito e doméstico, e o câncer”, diz o médico Paulo Telles, pediatra e neonatologista pela SBP.

Os dados disponíveis mais recentes dão uma dimensão dessa comparação:

  • Homicídios: 4.971 mil foram cometidos contra crianças e adolescentes até 19 anos em 2019, segundo o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública
  • Acidentes em geral: 3.300 anualmente, segundo a ONG Criança Segura,
  • Câncer: 2.565 mortes anuais, segundo o Atlas de Mortalidade por Câncer do Instituto Nacional de Câncer, de 2020.

Além disso, as infecções graves e fatais nessas faixas etárias continuam raras. E as estatísticas comprovam que as taxas de hospitalização, de mortes e de letalidade da doença no Brasil são muito menores nesse grupo do que em outras faixas etárias (veja quadro abaixo) e estão em baixa na comparação entre 2020 e 2021.

A maioria das crianças costuma ser assintomática ou apresentar sintomas leves, afirma Werther Brunow de Carvalho, professor titular de Terapia Intensiva e Neonatologia do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

“Em bebês abaixo de um ano, são comuns dificuldades na alimentação e febre. Nas crianças até nove anos, a tosse seca e a febre são mais recorrentes. Já entre 10 e 19 anos, somam-se dores musculares, falta de ar, diarreia, falta de olfato e paladar, além de coriza”, explica.

O motivo pelo qual a doença se manifesta dessa forma nessas faixas etárias continua incerto, segundo o médico infectologista Marco Aurélio Sáfadi, do Hospital Infantil Sabará e presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, que é coautor de um recente estudo sobre o tema.

Ele diz que entre as hipóteses levantadas estão a de que as crianças teriam menor quantidade de receptores do vírus, maior exposição recente a outros coronavírus comuns (como o que causa resfriado), o que propiciaria uma proteção cruzada, e imunidade inata mais desenvolvida.

O perigo da SIM-P

Apesar de raros, casos graves e mortes de crianças por Covid-19 podem ocorrer, e a maioria está relacionada à Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). A SIM-P pode se manifestar em até 4 semanas depois da contaminação inicial pelo SARS-CoV-2 e é caracterizada por febre persistente e inflamação em diversos órgãos, como o coração, o intestino e, em menor grau, os pulmões. A enfermidade também leva a dores abdominais, insuficiência cardíaca e convulsões.

Conforme artigo publicado pelo periódico Nature após uma abrangente revisão de estudos com pacientes que tiveram Covid-19, a Síndrome Inflamatória Multissistêmica tem afetado desproporcionalmente crianças e adolescentes de etnia africana, afro-caribenha ou hispânica.

O filho da terapeuta Mariana Rolim passou sete dias internado, sendo cinco deles na UTI, devido à SIM-P. A mãe conta que Matias, de 8 anos, teve a forma assintomática da Covid-19, provavelmente em junho do ano passado, quando ela e o marido adoeceram. Porém, após algumas semanas, a criança apresentou sintomas que foram considerados pelo médico que o atendeu como os de uma virose comum.

“Naquela época, quase ninguém era testado. Então, prescreveram apenas um anti-inflamatório”, relembra a mãe. Já em casa, o estado de saúde da criança piorou. “Ele tinha uma febre que não passava, indisposição e dores na barriga. Voltei com ele ao hospital e, dessa vez, os exames apontaram uma inflamação generalizada, que o levou à internação e à UTI.”

Depois de receber alta, Mariana conta que o filho ainda precisou tomar remédios por dois meses. “O Matias ficou por muito tempo aterrorizado pela quantidade de picadas que precisou tomar no hospital para receber soro, e fazia exames recorrentes. Estive ao lado dele o tempo todo, vi sua pressão arterial chegar a 4 por 3 [equivale a 40 x 30mmHg]. Não desejo isso a mãe alguma”, diz.

Volta às aulas x Covid-19

Levando-se em conta as evidências científicas de que a maioria das crianças não é acometida pela forma grave da Covid-19 e os números baixos de internações e mortes nessa faixa etária quando comparados à população em geral, alguns especialistas argumentam que os prejuízos causados pela suspensão das aulas presenciais não se justificam.

Mais de 5 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos ficaram sem acesso à educação no Brasil em 2020 devido à Covid-19 – no ano anterior, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontaram que esse número era de 1,1 milhão.

Segundo o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – Um Alerta sobre os Impactos da Pandemia da Covid-19 na Educação, lançado no último dia 29 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), a parcela da população mais vulnerável compreende pobres, pretos, pardos e indígenas (seguindo a classificação do IBGE). As regiões com maiores percentuais de crianças e adolescentes fora da escola são Norte e Nordeste, sobretudo nas áreas rurais.

Para Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil, o país corre o risco de regredir mais de duas décadas no acesso à educação de meninas e meninos devido à medida.

O médico infectologista Marco Aurélio Sáfadi tem a mesma opinião. “O fechamento das escolas causa diversos impactos no desenvolvimento das crianças, desde o atraso na aprendizagem, até problemas na nutrição, na saúde mental, na socialização e na proteção contra a violência”, afirma.

Para o profissional, a reabertura deve ser feita o quanto antes – desde que sejam garantidas as condições sanitárias para a segurança das crianças, dos professores e da comunidade, como indica um estudo realizado nos EUA e publicado na revista científica Science.

A investigação mostra que a transmissão dentro dos centros de ensino tem sido rara quando medidas rigorosas são implementadas para reduzir o risco de propagação do coronavírus.

Ainda de acordo com o levantamento, os estabelecimentos de ensino que adoram medidas de controle como distanciamento social, uso de máscaras, ventilação apropriada e lavagem das mãos parecem não ter contribuído substancialmente para o aumento da circulação do vírus entre as comunidades locais.

Apesar disso, Isabel Cavadas, 42 anos, diz que ainda não se sente segura para enviar a filha Raquel, de 8 anos, para a escola. No início do ano letivo, a criança teve contato na sala de aula com uma colega que estava com dor de garganta e dizia estar com Covid-19.

Dias depois, Raquel também apresentou o sintoma e, ao ser testada, seu exame PCR-RT deu positivo para a doença. “Meu marido e eu fomos infectados após a contaminação da nossa filha, mas com sintomas mais agressivos, como dores de cabeça e musculares muito fortes, febre e perda de olfato”, relembra Isabel. (CNN)

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