Covid-19: entenda como o Brasil chegou à trágica marca de 400 mil mortes
Um longo e sofrido caminho. Assim é a trajetória da pandemia no Brasil. O negacionismo de Estado, o uso de medicação não comprovada, a lentidão na aquisição de vacinas e uma politização constante foram os males que acometeram o país. O vírus proveniente da China se espalhou pelo mundo, mas adquiriu uma forma cruel no Brasil em razão de circunstâncias políticas. Ontem, o país alcançou a marca das 400 mil mortes pelo novo coronavírus. Ao confirmar mais 3.001 óbitos, chegamos a 401.186 vidas perdidas para a Covid-19. A dolorosa marca foi atingida 413 dias após a primeira confirmação de morte pela doença no país, em 12 de março do ano passado.
De lá pra cá, houve avanços. A tão esperada vacina chegou, e a ciência obteve cada vez mais conhecimento sobre o vírus. No entanto, o Brasil de 2021 ainda sofre muito em razão dos equívocos cometidos no ano anterior. O negacionismo, a descoordenação do poder público e o desprezo pela gravidade da tragédia ainda são feridas profundas e obstáculos sérios para o enfrentamento da Covid. Enquanto o presidente da República, Jair Bolsonaro, recusa-se a tomar a vacina contra a Covid-19, na direção contrária da maioria dos líderes mundiais, brasileiros são flagrados em festas clandestinas.
Nessa conjuntura difícil e complexa, os números totais seguem em crescimento. Uma análise da curva de casos e mortes da doença feita pelo Correio revela que o país tem superado os patamares dos milhares de óbitos e milhões de infecções cada vez mais rápido. (Veja na arte). O país alcançou as 100 mil mortes depois de 149 dias após o registro do primeiro óbito pela doença em território nacional. Com mais 152 dias, o Brasil atingiu o total de 200 mil vidas perdidas. Depois disso, o ritmo acelerou. Para alcançar os 300 mil óbitos, bastaram 76 dias. Já o patamar das 400 mil mortes foi superado em apenas 36 dias.
Para especialistas, o cenário caótico reflete uma sequência impressionante de equívocos. “Infelizmente o Brasil é um dos países mais afetados pela pandemia, em boa parte pela falta de governança e coordenação nacional. Cada estado e município está tomando decisões desarticuladas”, afirma o professor Elise Alves, do Departamento de Epidemiologia da Universidade de São Paulo (USP).
O ponto de vista de Alves é referendado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que reconhece a falta de uniformidade na tomada de decisões. “O número (de 400 mil mortes) reflete a dor de famílias que perderam pais, avós, filhos e irmãos de forma rápida, violenta e muitas vezes solitária. E também erros de condução e a ausência de coordenação centralizada no nível federal”, informou ontem o conselho, em carta assinada pelo presidente, Carlos Lula.
Sem citar nomes, o texto aponta, ainda, que “autoridades máximas do país” desdenharam da gravidade da situação. “Autoridades máximas do país desprezaram a gravidade do momento e invocaram um falso dilema entre saúde e economia, resistindo a medidas capazes de refrear a progressão da contaminação, como o distanciamento social. Preferiram depositar esperanças em terapias mundialmente consideradas ineficazes”, criticou.
Negacionismo
Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro, personagem central para o combate à Covid, mantém uma postura negacionista. São praticamente incontáveis as manifestações de desprezo à calamidade, de ausência de empatia e de falsos dilemas. O chefe do Executivo já chamou a Covid-19 de “gripezinha”. Indicou tratamentos sem eficácia comprovada. Quando questionado sobre o morticínio em curso, respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Com a CPI da Covid instalada no Senado, continua a bater na tecla de que os principais responsáveis pela catástrofe brasileira são governadores e prefeitos.
A política negacionista do governo federal também é alvo de crítica do Conselho Nacional de Saúde. Em nota pública, o CNS lamentou a morte dos 401.186 brasileiros para a Covid-19. “Enquanto Conselho Nacional de Saúde (CNS), nos solidarizamos a todas as famílias que perderam entes queridos por culpa da negligência federal”, diz trecho do documento.
Tanto o texto do Conass quanto o do CNS veem a vacina como parte da solução. “É a única forma de evitarmos mais infecções, agravos à saúde e internações. Somente assim reduziremos os indicadores de óbitos evitáveis”, observou a nota do Conselho de Saúde. Enquanto isso, o Conass ressaltou o potencial que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) tem para realizar a vacinação de brasileiros de forma rápida, “desde que os insumos estejam disponíveis”.
Alto patamar
Enquanto a vacinação não engata um ritmo acelerado no Brasil, especialistas se preocupam com as notificações diárias que seguem altas. Apesar de observar uma redução nas notificações diárias, pesquisadores alertam para a estagnação de um alto patamar. Uma análise do último Boletim Extraordinário do Observatório Covid-19, produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra que a pandemia pode permanecer em níveis críticos ao longo das próximas semanas.
“O padrão atual pode representar uma desaceleração da pandemia, com a formação de um novo patamar, como o ocorrido em meados de 2020, porém com números bastante mais elevados de casos graves e óbitos, que revelam a intensa circulação do vírus no país”, diz o documento. Por isso, a flexibilização de atividades preocupa os especialistas. Além disso, 10 estados e o Distrito Federal continuam com taxas de ocupação de UTI adulto superiores a 90%. (CB)