O que se sabe sobre o coronavírus ‘duplamente mutante’ descoberto na Índia

O que se sabe sobre o coronavírus ‘duplamente mutante’ descoberto na Índia

Uma nova variante “duplamente mutante” do coronavírus foi identificada em amostras coletadas na Índia.

Autoridades locais estão verificando se a variante pode ser mais infecciosa ou se as vacinas poderão ser menos eficazes contra a recente descoberta.

Em cerca de 10.787 amostras de 18 Estados indianos, também foram encontrados 771 casos de outras variantes já conhecidas: 736 da variante do Reino Unido, 34 da África do Sul e 1 do Brasil.

Mas o governo local acredita que as variantes não estão por trás do aumento de casos na Índia.

O país registrou 47.262 casos e 275 mortes na quarta-feira (24), o maior aumento diário neste ano.

Enquanto o surto de casos não está necessariamente ligado às novas variantes, o momento difícil enfrentado pela Índia nesta pandemia pode ter impacto nas exportações das vacinas para diversos países, inclusive para o Brasil.

Na quarta-feira (24), fontes do ministério das Relações Exteriores disseram à BBC que a Índia pretende suspender temporariamente a exportação de vacinas.

Eles afirmaram que o aumento dos casos indica que a demanda doméstica deve aumentar nas próximas semanas e, portanto, as doses são necessárias para o programa de vacinação da própria Índia.

A mudança — descrita como “temporária” pelas autoridades — deve afetar o abastecimento de vacinas no mundo até o final de abril.

Cerca de 190 países sob o programa Covax poderão ser afetados. O esquema, que é liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), visa garantir que as vacinas sejam compartilhadas de forma justa entre todas as nações.

O maior fabricante de vacinas da Índia, o Instituto Serum, atrasou os embarques da vacina AstraZeneca para vários países nos últimos dias, incluindo Brasil.

A Índia exportou mais de 60 milhões de doses de vacinas para 76 países até agora, sendo a maioria deles a vacina Oxford-AstraZeneca.

Sequenciamento

O Consórcio de Genômica SARS-CoV-2 da Índia (INSACOG), um grupo de dez laboratórios nacionais do Ministério da Saúde local, realizou o sequenciamento genômico das amostras mais recentes.

O sequenciamento genômico é um processo de análise para mapear todo o código genético de um organismo, como um vírus.

O código genético do vírus funciona como seu “manual de instruções”.

Mutações em vírus são comuns, mas a maioria delas é insignificante e não causa nenhuma alteração em sua capacidade de transmissão ou de causar uma infecção grave.

Mas algumas mutações, como as variantes do Reino Unido, da África do Sul e do Brasil, podem tornar o vírus mais infeccioso e, em alguns casos, ainda mais mortal.

O virologista Shahid Jameel explica que “uma mutação dupla em áreas-chave da proteína de pico do vírus pode aumentar esses riscos e permitir que o vírus se proteja do sistema imunológico”.

A proteína de pico é a parte que o vírus usa para penetrar nas células humanas.

O governo indiano indicou que uma análise de amostras coletadas no Estado de Maharashtra mostrou “um aumento na fração de amostras com as mutações E484Q e L452R” em comparação com dezembro do ano passado.

“Essas mutações [duplas] conferem um escape imunológico”, disse o Ministério da Saúde em um comunicado.

O Dr. Jameel acrescenta que “pode ​​haver uma linhagem separada se desenvolvendo na Índia com a união das mutações L452R e E484Q”.

Os vírus com dupla mutação são uma preocupam?

Análise: Smitha Mundasad, repórter de saúde da BBC

Um “vírus duplamente mutante” parece alarmante. As palavras sugerem que os cientistas indianos descobriram duas mutações ou mudanças significativas em locais diferentes em uma única variante do vírus.

Mas isso não é tão surpreendente. Os vírus sofrem mutações o tempo todo, e as perguntas que precisam ser respondidas são: a presença dessa dupla mutação muda o comportamento do vírus? Essa variante será mais infecciosa agora ou causará uma doença mais séria?

Mais importante ainda, as vacinas atuais contra ele continuarão a funcionar bem?

Os cientistas agora estão ocupados fazendo o trabalho de detetive necessário para encontrar as respostas.

Autoridades afirmam que, como a proporção de exames registrados com essa dupla mutação é baixa, não há atualmente nada que sugira que isso esteja ligado ao atual aumento de casos no país.

O que está claro é que essa dupla mutação, por mais diferente que possa parecer, requer uma resposta de saúde pública.

Mais testes, acompanhamento de contatos próximos e rápido isolamento de casos, bem como máscaras faciais e distanciamento social, ajudarão.

Reduzir a pressão sobre o sobrecarregado sistema de saúde da Índia é fundamental.

Em termos de vacinas, até agora, para muitas variantes preocupantes em todo o mundo, elas se mostraram eficazes, embora às vezes menos do que contra os vírus originais contra os quais foram projetadas.

Os cientistas estão confiantes de que, se necessário, as vacinas existentes podem ser modificadas para direcioná-las contra novas mutações.

Momento delicado

O governo indiano se colocou publicamente sobre o tema.

“Embora variantes preocupantes e uma nova variante dupla mutante tenham sido encontradas na Índia, elas não foram detectadas em número suficiente para estabelecer uma relação direta com o rápido aumento de casos em alguns Estados”, disse o Ministério da Saúde.

Isso aconteceu depois que vários especialistas pediram ao governo que aumentasse os esforços de sequenciamento do genoma.

“Precisamos monitorar constantemente e garantir que nenhuma das variantes que causam preocupação esteja se espalhando na população”, disse o Dr. Jameel à BBC no início deste mês.

“Só porque não está acontecendo agora não significa que não acontecerá no futuro. E temos que nos certificar de que obteremos as evidências com antecedência”, acrescentou.

A Índia foi o quinto país do mundo a realizar o sequenciamento do genoma do novo coronavírus depois que ele foi isolado de alguns dos primeiros casos registrados no país em janeiro do ano passado.

Mais de 11,7 milhões de casos e 160 mil mortes depois, os esforços continuam em todo o mundo para identificar mutações.

O aumento mais recente de casos na Índia, que começou neste mês, ocorre no que alguns especialistas chamam de “fase delicada” para o país: o sistema de saúde já está exausto de uma batalha de um ano contra o coronavírus.

Os Estados indianos já começaram a reintroduzir restrições, incluindo toques de recolher e bloqueios intermitentes.

Duas grandes cidades, Nova Deli e Mumbai, também solicitaram testes rápidos aleatórios em aeroportos, estações de trem e áreas movimentadas, como centros de compras.

BBC
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