O país que não queremos

O país que não queremos

O poeta, compositor e músico, Maciel Melo, nos oferece em crônica uma reflexão sobre o país que não queremos, nem agora, nem nunca. Vejam que beleza de reflexão:

O Brasil que eu não quero…

Enfrentei a fúria da lâmina das enxadas, quando saí de um chão seco e infecundo, para plantar esperanças noutras terras, noutros rincões, noutro lugar. Abri cancelas, engoli poeira, revirei montanhas, carreguei pedras, e abanei meu mormaço com um leque, feito das folhas de uma velha bananeira, que teimava em existir no baixio das minha ilusões.

Fiz uma redoma de brinquedos, me joguei dentro, congelei a criança que habitava em mim, para na velhice derretê-la e me banhar de ternura. Já não vejo mais quem eu via. A minha juventude envelheceu. A de hoje sofre de dislexia e, distraída, estampa no peito o retrato de uma mentira escancarada, cheia de dentes, com seu riso falso e cheia de promessas que jamais se cumprirão.
Mas o povo é como flor: quanto mais esmagam suas pétalas, mais o cheiro de sua essência exala. Eu sei o Brasil que eu não quero. O que eu quero é um sonho, é profundo demais, é utopia. Sem sangue nas calçadas, sem ladrões, sem covardia, sem corruptos, sem prisão, sem anarquia, sem retirantes, sem cotas para inclusões, todos iguais. Brasil que eu amo, clamo, reclamo, e me derramo sobre o pano de sua bandeira sem perder jamais a esperança de ver a volta do cipó estalando no lombo de quem já bateu.

Brasil de pretos puro-sangue, mulatos, índios, pardos, cafuzos, mestiços, Brasil de Mãe Preta e Pai João. De irmã Dulce, Dom Hélder, “Pade Cíço” e Damião. Brasil de Mãe Menininha, de Gonzaga, Conselheiro, Chico Mendes, Jackson do Pandeiro e Lampião. Esse Brasil pelo qual tanto andei, e ainda ando. Nadei em seus rios, subi suas serras, devorei estradas, criei calos, andei léguas além. Desmanchei conceitos, rompi barreiras, atravessei desertos, sonhei multidão.

O Brasil que eu não quero está no presente, e o futuro só a Deus pertence. Outubro vem aí, e eu preciso guardar minha saliva pra molhar minhas palavras, encharcar meu grito, e dizer ao mundo que eu só canto aquilo que o meu coração diz.

Maciel Melo

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